terça-feira, 23 de outubro de 2007

Cooperativas forneciam leite adulterado com água oxigenada

Operação realizada pelo Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) e a Polícia Federal desarticula quadrilhas suspeitas de adulterar leite com susbstâncias nocivas à saúde. Os fatos dão conta de que cooperativas adicionavam substâncias não permitidas ao leite longa vida, tornando-o impróprio para o consumo humano, de acordo com laudo emitido por laboratório vinculado ao Ministério da Agricultura.

Entre os produtos químicos manipulados pelas cooperativas Casmil e pela Coopervale, encontram-se grandes partidas de soda cáustica (hidróxido de sódio) e de peróxido de hidrogênio (comercialmente conhecido com água oxigenada), substâncias que, quando utilizadas em desacordo com os parâmetros químicos indicados, podem se transformar em poderosos agentes cancerígenos. Além dos produtos químicos, as cooperativas utilizavam substâncias que, embora permitidas, eram adicionadas em quantidades acima do autorizado por lei, de que é exemplo o "soro" - sobra da produção industrial que deveria ser descartada.

Estima-se que só a Casmil acrescentava, diariamente, pelo menos 20.000 (vinte mil) litros de soro às cargas comercializadas. A intenção dos fraudadores era aumentar a quantidade do produto, bem como o período de manutenção e acondicionamento sem que o leite se deteriorasse. Por outro lado, havia também o procedimento criminoso de "recuperação" do leite estragado que chegava dos produtores rurais, de forma a iludir as empresas-clientes das cooperativas, por meio também da utilização de produtos químicos, incluindo peróxido de hidrogênio, soda cáustica, base creme e citrato de sódio.

Durante a operação, serão recolhidas amostras de leite longa vida em todo o país, já que, segundo as apurações, a fraude atinge dimensão nacional, envolvendo empresas de diversos estados da federação. Além dos crimes contra a saúde pública consistentes na falsificação, corrupção e adulteração de produtos alimentícios (art. 272 do CP), cuja pena é de 4 a 8 anos, podem ter sido praticados crimes contra as relações de consumo e contra a administração pública, inclusive corrupção passiva (art. 317 do CP), eis que um servidor do Serviço de Inspeção Federal do Ministério da Agricultura (SIF), responsável pela fiscalização da produção de leite e seus derivados, também foi preso hoje sob suspeita de acobertamento das atividades ilegais.

Fraude comprovada – Os esquemas de adulteração do leite foram investigados a partir de denúncias de outras Cooperativas e de ex-funcionários das empresas. No caso da Casmil, em 16 de agosto deste ano, a Procuradoria da República no município de Passos, fiscais federais agropecuários, Promotores de Justiça, Polícia Federal e fiscais da Receita Estadual interceptaram duas carretas transportando leite oriundo da empresa e efetuaram a coleta do produto, com o objetivo de submetê-lo à análise técnica.

Os caminhões interceptados transportavam leite cru resfriado e o boletim de análise de leite que acompanhava a carga, preenchido pelo Serviço de Inspeção Federal em Passos, atestava ausência de conservantes (ex: peróxido de hidrogênio). No entanto, a análise dos produtos feita pelo Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro) confirmou a fraude. Os laudos elaborados pelo Lanagro informaram a presença, em todas as amostras de leite coletadas, de peróxido de hidrogênio, esclarecendo que essa adição permite que más condições higiênico-sanitárias de obtenção, conservação e transporte, isoladas ou associadas, sejam dissimuladas.

O laboratório informou ainda que a adição do peróxido de hidrogênio pode resultar na redução do valor nutricional do alimento, acrescentando que “A ingestão de pequenas quantidades de peróxido de hidrogênio em solução a 3% geralmente resulta apenas em moderado efeito gastrintestinal. A ingestão de soluções com concentração igual ou superior a 10% ou grandes quantidades de soluções a 3% tem sido associada com morbidade e mortalidade severa.” No caso, face às condições técnicas existentes no Lanagro, não foi possível a realização de exames de forma a detectar qual era a concentração de peróxido de hidrogênio nas amostras coletadas.

Os laudos do Lanagro confirmaram também a adição de soro ao leite. De acordo com o estabelecido na Instrução Normativa n° 68, de 13 de dezembro de 2006, da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mais especificamente no § 3º do seu art. 2º, quando o índice de CMP estiver acima de 75 mg/L (setenta e cinco miligramas por litro), como era o caso das amostras coletadas, o leite somente poderá ser destinado à alimentação animal, à indústria química em geral ou a outro destino a ser avaliado tecnicamente, caso a caso, pelo DIPOA, sendo, assim, impróprio para o consumo humano.

Coopervale - O Lanagro analisou ainda amostras coletadas em datas diversas, de lotes diversos, do leite comercializado pela Coopervale e constatou que o produto se encontrava impróprio para o consumo humano, sendo que em todas as amostras restou constatada a presença de substâncias alcalinas e, em algumas delas, também baixa acidez.


Fonte: site da Procuradoria da República em Minas Gerais


Fone: (31) 2123-9008

sábado, 20 de outubro de 2007

PBL/ABP_1


Final de campeonato

Orlando era só empolgação para ver seu time decidir a final do campeonato. Tirou a bandeira do armário e partiu para o estádio no seu automóvel em companhia de dois amigos. Durante o percurso, um dos amigos, que folheava o jornal A Noticia, sugeriu-lhe a compra de uma câmara digital para registrar o tão esperado jogo. (De fato, a última decisão disputada pelo time de Orlando tinha ocorrido há quinze anos.) Ao avaliar a marca, o modelo, as principais características e o preço de uma das câmaras ofertadas na publicidade jornalística, Orlando acolheu a sugestão e resolveu antes passar no shopping center Sul para adquiri-la.

No anúncio, a loja Aliciante ofertava a câmara fotográfica escolhida por Orlando por R$ 295,00. O vendedor argumentou, entretanto, que tinha ocorrido um problema técnico na publicação da oferta, pois, na verdade, o preço real do produto era R$ 395,00. Surpreso, Orlando objetou que desconhecia tal informação. Mas, segundo o vendedor, havia uma errata da publicidade que se encontrava à disposição dos consumidores no estabelecimento comercial, a qual não tinha sido publicada no A Notícia por falta de tempo hábil. Nesse interregno, Orlando foi alertado por um dos seus amigos que o início do jogo estava se aproximando. Ansioso, Orlando sujeitou-se a pagar o novo preço com seu cartão de crédito. Contudo, no momento em que estava efetuando o pagamento, mais uma vez Orlando foi surpreendido com outra novidade. Segundo o caixa, o preço de R$ 395,00 era à vista ou com cheque. O pagamento com cartão de crédito implicaria um custo adicional de 5%, relativo a encargos financeiros. Sem dinheiro em espécie, cheque e ávido para registrar os principais lances da partida, Orlando acabou definitivamente rendendo-se à imposição da loja. Afinal estava em cima da hora. A bola já estava quase rolando.

Às pressas, Orlando e seus amigos retornaram ao estacionamento do shopping, onde o carro tinha ficado estacionado. Ao embarcar no veículo um dos caronas pediu a Orlando que religasse o som para irem acompanhando a cobertura do jogo pela FM Parispitanga. Todavia, nesse momento, deram-se conta de que o equipamento de som veicular tinha sido furtado enquanto faziam compras.

- Ha! Meu Deus! Por isso que percebi a porta destrancada, frisou Orlando.
O fato foi comunicado à segurança do shopping, que apenas lamentou o ocorrido. Ao chegar às proximidades do estádio, Orlando estacionou seu veículo numa Zona Azul demarcada pela Prefeitura, onde também comprou por R$ 3,00 um cartão de estacionamento de um agente municipal, que controlava o fluxo de veículos no local. No bilhete oficial constava a seguinte cláusula: “A prefeitura não se responsabiliza pela guarda e vigilância do veículo”.
Já no lusco-fusco da tarde, Orlando tentou fotografar um gol de seu time, mas o flash da câmara não funcionou, embora tenha sido ativado conforme instruções do manual, escrito em língua estrangeira. O que acabou prejudicando irremediavelmente a qualidade da foto. Findo o jogo, Orlando, com seus amigos, deixou o estádio feliz da vida, comemorando o sucesso do timão, gritando: é campeão! é campeão! é campeão! Entretanto, quando se aproximou da Zona Azul à procura de sua S-10, esta tinha também desaparecido. Procurou desesperadamente o agente da prefeitura, mas também não o localizou. Teve de voltar para casa de táxi com seus amigos, depois de passar no Distrito Policial do bairro para registrar a ocorrência.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Processo criminal por furto de R$ 20,00 vai ao arquivo sem condenação

Do blog do Josias, ontem.



Nas pegadas de decisão tomada na véspera pelo STJ, que extinguira a pena de prisão contra uma brasileira que furtara um desodorante (R$ 9,70), o STF pôs fim, nesta terça-feira (16), a um processo judicial aberto contra um cidadão acusado de apropriar-se indevidamente de um botijão de gás (R$ 20,00).

Invocou-se, nos dois casos, o “princípio da insignificância” do valor dos furtos. Escorando-se no mesmo princípio, o Supremo concedeu habeas corpus em favor de um soldado da Aeronática, acusado de embolsar R$ 75,00. Pilhado, o soldado devolveu a grana. A despeito disso, o processo chegou à mais alta corte judiciária do país.

Num país em que agentes públicos e privados permanecem impunes a despeito dos desvios de milhões e até bilhões de que são acusados, é despropositado, para dizer o mínimo, que o Estado persiga de maneira tão denodada pessoas acusadas de delitos miúdos. É evidente que cada delito deve receber a devida punição. Mas espanta que os juízes brasileiros não tenham sensibilidade para graduar as penas segundo a relevância dos crimes.

sábado, 13 de outubro de 2007

Entrevista: Fernando Haddad

Longe dos dogmas

O ministro da Educação diz que o Brasil precisa de mais pragmatismo e menos ideologia para melhorar o ensino
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Monica Weinberg



Ricardo B Labastier




"Em uma igreja ou em um partido político as pessoas podem divulgar a ideologia que bem entenderem. Nas escolas, não. Elas devem sempre se basear na diversidade"







Do gabinete do ministro da Educação, Fernando Haddad, 44 anos, saiu um projeto para o Brasil que, de saída, conseguiu o feito raro de agradar a especialistas de diversos matizes ideológicos. O mérito do plano foi criar um indicador que permite comparar o desempenho das escolas brasileiras de modo que as piores possam ser cobradas com base em metas e as melhores sejam premiadas. O princípio, portanto, é o da meritocracia, o mesmo que em outros países ajudou o sistema educacional a atingir altos níveis de qualidade. Diz Haddad: "A obrigação de toda pessoa de bom senso é se inspirar no que funciona bem em outros lugares". Por essas e outras, o ministro, que é filiado ao PT desde 1983, mereceu críticas de militantes. Formado em direito e com mestrado em economia, ambos pela Universidade de São Paulo (USP), Haddad chegou a Brasília em 2003, como assessor no Ministério do Planejamento, e há dois anos comanda a Pasta da Educação. Casado e pai de dois filhos, ele diz que os grandes problemas da educação brasileira podem ser definitivamente erradicados no prazo de duas décadas.

Veja – O senhor concorda com os educadores segundo os quais as escolas no Brasil estão passando uma visão retrógrada do mundo a seus alunos?
Haddad – Isso acontece, sim. Um problema evidente é o dogmatismo que chega a algumas salas de aula do país. Ele exclui da escola a diversidade de idéias na qual ela deveria estar apoiada, por princípio, e ainda restringe a visão de mundo à de uma velha esquerda. Não é para esse lado, afinal, que o mundo caminha. Sempre digo que em uma igreja ou em um partido político as pessoas têm o direito de promover a ideologia que bem entenderem, mas nunca em uma sala de aula. A obrigação da escola é formar pessoas autônomas – capazes, enfim, de compreender de modo abrangente o mundo em que vivem. Todo procedimento que mutila isso é incompatível com um bom processo de aprendizado. Em suma, educação não combina com preconceito.

Veja – Por que, então, o MEC aprova livros didáticos com esse viés?
Haddad – Temos um sistema de escolha dos livros didáticos com o qual, em tese, especialistas de diferentes matizes ideológicos concordam. É simples. Mandamos os livros para as melhores universidades públicas do país, e são os professores escolhidos por elas que opinam. Depois, as escolas escolhem os livros da lista que consideram mais apropriados. Nesse sistema, portanto, o MEC não atua como um censor com superpoderes, mas, sim, delega a tarefa a um conjunto de pessoas qualificadas para executá-la. Não inventamos essa fórmula. A avaliação de trabalhos acadêmicos feita por pares funciona em vários países desenvolvidos – e aliás muito bem.

Veja – O fato de livros de conteúdo dogmático passarem por essa peneira não é um sinal, então, de que o sistema não funciona?
Haddad –
Todo sistema dessa natureza tem falhas, e o do MEC não é exceção. A meu ver, no entanto, o problema não é propriamente com o modelo que implantamos, mas justamente com a visão dogmática que ainda circula em parte do meio acadêmico. O tipo de material didático que chega à sala de aula é, afinal, reflexo de um modo de pensar próprio de uma parcela da intelectualidade brasileira, em todos os níveis. Reafirmo minha opinião sobre o assunto. Eu acho que cada um deve ter suas convicções e crenças, mas, de novo, quando se fala de educação é preciso ser mais pluralista, ir de A a Z no espectro ideológico – senão, simplesmente não dá certo.

Veja – O Brasil historicamente se sai mal em relação aos outros países nos rankings que medem a qualidade de ensino. Qual a explicação para isso?
Haddad – Tenho visitado escolas públicas no país inteiro nesses últimos meses. Observo, por exemplo, que assuntos capitais do século XX, como as duas grandes guerras mundiais ou a queda do Muro de Berlim, passam ao largo de uma discussão mais atual – não só nos livros mas também nas aulas. Parece-me que ninguém até este momento parou para estudar alguns dos capítulos cruciais da história recente da humanidade sob uma perspectiva contemporânea. É claro que isso faz cair o nível das aulas. É preciso ressaltar, no entanto, que a educação no Brasil pena com algo ainda mais básico, que é o preparo dos professores. Temos um claro déficit de pessoal realmente capacitado para ensinar as crianças.

Veja – Qual a real dimensão desse problema?
Haddad – Fizemos um levantamento cuja conclusão é desastrosa para o país. Ele mostra, por exemplo, que o número de físicos formados no Brasil nas últimas três décadas não é suficiente para atender a um terço da demanda atual das escolas. É isso mesmo: sete de cada dez pessoas que entram em sala de aula no Brasil para ensinar a matéria não fizeram o curso de física na universidade. Essa é a realidade de muitas das crianças brasileiras, sobretudo nas escolas públicas. Em outras matérias na área de ciências, como química e matemática, o mesmo e desanimador cenário se repete.

Veja – O que fazer para mudar isso?
Haddad –
Acho que é necessário criar incentivos para que as pessoas se interessem por essas carreiras. A primeira das medidas nas quais aposto nesse sentido é a distribuição de novas bolsas de iniciação científica. A outra é mais do que dobrar o número de escolas técnicas de nível superior do país, o que já está previsto. Com cursos de duração mais curta e direcionados para o mercado de trabalho, essas escolas conseguiram em outros países massificar o número de pessoas com nível superior em todas as áreas. Tudo isso é urgente para nós. No mês passado, a OCDE (organização que reúne países da Europa e os Estados Unidos) divulgou um trabalho que revela que os países do Primeiro Mundo formam todo ano duas vezes mais jovens em áreas de ciências do que o Brasil. Isso mostra que nos distanciamos ainda mais do Primeiro Mundo. Mesmo assim, é preciso que se faça a ressalva, o Brasil tem excelência na produção científica. Digo isso com base nos melhores indicadores internacionais disponíveis.

Veja – Por que, então, o Brasil ainda está tão atrás dos outros nos rankings de inovação tecnológica?
Haddad –
Temos um problema sério aí. A universidade brasileira produz tradicionalmente conhecimento que não interessa ao mundo real. Por isso, muitas idéias ficam confinadas ao universo acadêmico, sem que de fato impulsionem o país na competição global, como deveriam. Sempre tive a convicção de que para mudar o cenário o governo precisava dar um empurrão – e é esse resultado que espero com a nova lei que vai aliviar a carga tributária das empresas que investirem em pesquisa, nos moldes do que faz a Lei Rouanet na cultura. Dessas empresas, evidentemente, há mais chances de vir a pesquisa aplicada de que o Brasil tanto precisa. De novo, não estou inventando nada. Basta observar o que funciona lá fora. Há um século é assim nos Estados Unidos. Na Coréia do Sul, 80% da pesquisa do país é financiada por empresas privadas, não pelo governo – e os coreanos estão no topo do ranking da inovação tecnológica.

Veja – É por essas e outras idéias que o criticam por ser "petista de menos" nas ações?
Haddad – Embora nunca tenham me dito nada parecido, sei de ouvir dos outros que esse é um de meus rótulos. Provavelmente é porque cultivo interlocutores de todos os matizes ideológicos. No governo, muitas vezes os debates se dão na base do "nós, governo" e "eles, oposição". Eu fujo dessa visão sectária. Acho que com isso as políticas públicas melhoram. O que ainda pesa em meu favor é o fato de estar em uma raríssima área em que há basicamente consenso sobre o diagnóstico dos problemas e as estratégias para superá-los.

Veja – O senhor tem críticas ao PT?
Haddad – O PT não é monolítico. Acho que a cultura assembleísta que ainda é cultivada por gente do partido atrapalha, especialmente quando serve de pretexto para que não se tomem decisões. Isso é contraproducente, paralisante. No governo não se tem o tempo dos anjos para definir rumos. Se esperasse por um consenso geral, talvez fosse mais popular, mas certamente não sairia do lugar. Outra lição que depreendi desses tempos em Brasília é que às vezes a melhor estratégia de sobrevivência é manter o silêncio e a discrição. Foi assim que permaneci no ministério. Numa analogia com o mundo da moda, meu esforço é para ser mais prêt–porter – e não tão alta-costura, como alguns de meus colegas.

Veja – O senhor não acha que o abuso de greves nas universidades atrapalha?
Haddad – Acho que houve uma vulgarização da greve, e isso evidentemente não nos ajuda. Precisamos de mais pragmatismo para vencer nossas evidentes fraquezas na educação e alcançar os países de que ainda estamos distantes. Começamos a corrida estabelecendo uma meta de médio prazo.

Veja – É realista esperar que o Brasil ofereça ensino comparável ao do Primeiro Mundo em quinze anos, como prevê o MEC, tendo saído de um patamar tão baixo?
Haddad –
Sei que estamos diante de uma meta ousada. O projeto do governo prevê dar um salto na qualidade de ensino de modo a alcançar os melhores países do mundo em educação num tempo muito menor do que o que eles próprios levaram para chegar lá. Irlanda e Coréia, por exemplo, precisaram cada qual de três décadas para executar uma revolução em sala de aula. É isso mesmo: nós estamos tentando obter resultados semelhantes com a metade do tempo. Esses cálculos ajudam a dimensionar o tamanho de nossa ambição – e das dificuldades à vista. Tendo feito a ponderação, ainda acho que estamos no terreno do possível, porque, com as várias avaliações do ensino disponíveis no Brasil, o país está conseguindo jogar luz sobre as boas escolas e chamar atenção para aquelas nas quais se pratica o péssimo ensino. De um lado, os pais ganham um termômetro para saber se seus filhos estão num bom colégio. De outro, o governo tem na mão uma ferramenta para identificar as práticas que levam ao sucesso acadêmico, que devem ser reproduzidas em todas as escolas – e para cobrar resultados.

Veja – O que afinal tem dado mais certo nas escolas brasileiras?
Haddad – A radiografia por escola reafirma com dados contundentes aquilo que já é senso comum: as melhores da lista são aquelas que têm no comando um diretor que está lá pelo mérito – e não por razões políticas. É básico, mas ainda raro no Brasil. Uma pesquisa do MEC aponta para um sistema de escolha de diretores que tem dado certo. De acordo com esse sistema, os candidatos ao posto de diretor fazem uma prova e só os que têm bom desempenho no teste podem pleitear a vaga. O corte é, portanto, baseado no mérito. O segundo ponto que considero relevante sobre os colégios nota 10 é que eles têm variadas formas de incentivar as famílias a participar mais da rotina escolar dos filhos. Esse é mais um dos fatores que têm contribuído para a excelência em outros países, mas, em geral, não no Brasil. Também está bastante claro que as boas escolas, de algum modo, conseguem dar aos professores certos horizontes na carreira – e é interessante notar que nem sempre eles são financeiros.

Veja – O governo estabeleceu um piso salarial para os professores, mas pesquisas internacionais mostram que o aumento de salário tem muitas vezes efeito zero sobre a qualidade de ensino...
Haddad – Reunimos evidências para afirmar que em alguns dos lugares mais pobres do Brasil a falta de recursos, entre outras coisas, para pagar melhor aos professores ajuda a explicar, sim, a baixa qualidade do ensino. Por isso voltamos à questão financeira. No entanto, estou ciente de que só é possível avançar se, de algum modo, conseguirmos premiar quem for capaz de formar os melhores estudantes. No novo sistema do MEC, as escolas que aparecerem no topo do ranking nacional ganharão em autonomia financeira. Hoje as escolas mal têm dinheiro em caixa para comprar uma borracha. Com um bom resultado, elas conquistarão o direito de gerenciar suas finanças. Ficarão, enfim, mais independentes do estado – e acredito que assim podem funcionar melhor. Mas precisam fazer por merecer o prêmio.

Veja – O senhor vê obstáculos à execução desse plano?
Haddad – Algumas pragas brasileiras sempre podem atrapalhar. O corporativismo é certamente uma delas, embora, até então, não tenha recebido nenhuma moção de protesto contra essas medidas. A outra praga da qual precisamos fugir é a tradicional descontinuidade das políticas públicas no país. A cada novo governante, tudo muda de rumo e lá se vão anos de trabalho pelo ralo. Com tanto que o país ainda precisa avançar, não dá mais para recomeçar do zero. Por fim, não resta dúvida de que o Brasil terá mais chance de sucesso não só quando as aulas tiverem um nível mais elevado, mas também quando o dogmatismo deixar de vez as salas de aula. Em Cuba, os estudantes vão bem nas provas, mas em compensação saem da escola despreparados para atuar como indivíduos autônomos no mundo moderno. O Brasil deve ambicionar muito mais do que isso.

Fonte: Veja nº 2030 (para assinantes)

domingo, 7 de outubro de 2007

Pesquisa Datafolha indica mudança nos valores da família brasileira

A edição de domingo da Folha de S.Paulo traz a pesquisa nacional do Datafolha , realizada em 211 municípios, que traçou um novo perfil da família brasileira. O resultado indica uma mudança nos hábitos, valores e opiniões no país desde 1998, quando a Folha realizou a primeira edição do mesmo levantamento.

Confira a pesquisa completa (íntegra disponível só para assinantes do jornal ou do UOL).

Entre as principais mudanças detectadas pela pesquisa, entre os dois períodos, está a maior tolerância das famílias para aspectos como perda da virgindade, sexo no namoro e na casa dos pais, gravidez sem casamento e homossexualidade. Por outro lado, cresceu a rejeição à prática do aborto, o uso de drogas é condenado, e a fidelidade é mais valorizada que uma vida sexual satisfatória.

O levantamento é mostrado em revista com 74 páginas. Especialistas, cientistas sociais e colunistas do jornal fazem interpretação das mudanças.

Perfil

A pesquisa mostra que 49% dos brasileiros são casados. Já o número médio de pessoas por casa é de 3,8, enquanto 2,7 é a quantidade média de filhos por família. Outro dado: 35% dos brasileiros ganham até dois salários mínimos, e outros 24% ganham entre dois e três salários mínimos.